Dois pesos, duas medidas: o que é verdade e o que é mentira sobre a responsabilização criminal de juízes, procuradores e promotores
procuradora-geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC/DF), Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, analisa os riscos da emenda que propõe a responsabilização criminal de juízes, procuradores e promotores - no âmbito do PL 4.850/2016 - e alerta para a desconfiguração da proposta original do projeto de combate à corrupção. Confira.
Dois pesos, duas medidas: o que é verdade e o que é mentira sobre a responsabilização
criminal de juízes, procuradores e promotores
Diante do clamor popular
imediato, ontem, após a votação açodada, madrugada a dentro, pela Câmara
dos Deputados, que desvirtuou totalmente o projeto das Dez Medidas de
Combate à Corrupção, vários deputados apressaram-se para se justificar
perante o eleitor. Eles tentam passar a ideia de que a responsabilidade
criminal de juízes, procuradores e promotores é uma boa medida, pois
somente atingirá aqueles que cometerem crimes e abusos, em idêntica
situação de todos os demais agentes públicos e cidadãos, em geral, no
país. Mas será isso mesmo verdade? A resposta é negativa.
A emenda por eles aprovada, de
iniciativa do deputado Weverton Rocha (PDT/MA), criou dois dispositivos
para dizer que magistrados e membros do Ministério Público cometerão
crime quando forem patentemente desidiosos; procederem de modo
incompatível com a honra, dignidade e decoro do cargo e quando se
expressarem sobre processo pendente de julgamento ou de atuação.
A subjetividade do texto é uma
demonstração clara de que ele é aberto, de propósito, para tentar
enquadrar a atitude do juiz ou do promotor ao gosto do freguês. O texto,
sob encomenda, que não traz nenhum parâmetro objetivo de conduta, só
vai servir para tentar intimidar juízes e promotores, que passarão a
responder a inúmeras ações, toda a vez que desagradarem, principalmente,
a algum poderoso corrupto, que, por lesar o dinheiro público, é rico e
tem condições de pagar advogados que se prestem para essa função.
O projeto impede, ainda, que informações técnicas cheguem ao cidadão, calando juízes e promotores.
Sem meias palavras ou contorcionismos
interpretativos, foi isso o que aprovaram esses deputados. Mas não para
por aí. Vê-se que essas hipóteses, que os deputados querem que se
constituam em crimes, não estão previstas para criminalizar a conduta de
outros agentes públicos e nem a conduta deles mesmos. Dito por outro
modo, não é verdade afirmar que o projeto iguala magistrados e membros
do Ministério Público a todos os servidores, cidadãos e aos
parlamentares do Congresso Nacional, para a aplicação da lei penal.
Prova disso é o fato de os deputados
não haverem incluído no projeto um dispositivo semelhante, para
considerar crime e abuso de autoridade, atos praticados por
parlamentares, no exercício da atividade fim, como a aprovação de
projetos de lei e de emendas, por exemplo, inconstitucionais, lesivos ao
interesse público ou à moralidade, hipóteses que também poderiam ser
enquadradas em conduta patentemente desidiosa, indigna e ofensiva ao
decoro, à honra e à dignidade do cargo.
De outro lado, os deputados não
aproveitaram para, na mesma norma, criar um órgão externo que os submeta
à responsabilização, com a participação de outros integrantes, como
representantes da sociedade, pois, atualmente, são eles mesmos que
julgam a si próprios, por meio das conhecidas Comissões de Ética.
Diversamente, juízes e promotores, além de estarem submetidos à
legislação penal e de improbidade, estão vinculados aos Conselhos
Nacional de Magistratura e do Ministério Público, órgãos criados
justamente para punir maus agentes públicos dessa categoria, que
atentarem contra as leis, e que se compõem de representantes de outras
entidades. Em tese, isso garante a isenção das decisões adotadas.
Ainda, os mesmos deputados não foram
ágeis para aprovar, no mesmo ato, qualquer iniciativa visando a alterar a
Constituição Federal para acabar de vez com a imunidade que possuem por
suas opiniões, palavras e votos – dispositivo que não encontra
parâmetro em relação às demais categorias dos agentes públicos, em
geral.
Por tudo isso, o que fez o projeto foi
desigualar, no campo penal, juízes e membros do MP das demais
categorias de agentes públicos e políticos, deixando, em contrapartida, a
salvo dessas mesmas responsabilidades, os parlamentares do Congresso
Nacional.
Parece óbvio, também, que, se aprovado
o projeto, abre-se a possibilidade de, a qualquer tempo, semelhantes
medidas serem objeto de novas leis, destinadas a todos os demais
servidores e agentes públicos, em geral, como Delegados, Defensores,
Advogados Públicos, etc.
A nação, agora, aguarda uma resposta do Senado Federal, que só pode ser uma de duas:
Se o projeto é justo, por que parlamentares não estão nele incluídos?
Se o projeto é injusto, podem
deputados utilizar o cargo, para perseguir magistrados e membros do
Ministério Público, tentando, ainda, salvar a própria pele, ao buscar
incidir a lei a ser aprovada, imediatamente, nas operações em curso?
Que essa resposta seja breve, sincera e respeitosa para com a dignidade e a inteligência do povo brasileiro.
Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira
Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC/DF)
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